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segunda-feira, 7 de outubro de 2013

De Santa a Rameira - a visão patriarcal da antiga religião da Deusa

De Santa (qadesh) a Rameira (Harlot)

Lendo Merlin Stone, a famosa autora de When God Was a Woman (Quando Deus era Mulher)... A obra que tenho em mãos é The Paradise Papers  - The Suppression of Women’s Rites (Os papéis do Paraíso- a Supressão dos Ritos Femininos). Como se diz na capa, um “clássico feminista”…

Merlin Stone revela aqui o que encontramos quando um novo olhar, um olhar feminino, ou feminista, é lançado sobre documentos antigos. Um crivo de preconceitos patriarcais é usado pelos arqueólogos académicos, segundo aqui se demonstra, para interpretarem dados do passado… muito interessante e revelador.

Fica aqui uma amostra:

“Na maior parte dos textos arqueológicos, a religião centrada numa divindade feminina é referida como um simples “culto de fertilidade”, parecendo tal classificação revelar atitudes em relação à sexualidade que decorrem da influência da visão das religiões contemporâneas professadas pelos próprios autores. No entanto a evidência arqueológica e mitológica da veneração duma divindade feminina enquanto criadora, legisladora, inventora, profetiza, com influência no destino humano, inventora, curadora, caçadora e líder imponente no campo de batalha sugere que a designação “culto de fertilidade” não passa duma simplificação grosseira duma complexa estrutura teológica.
(…)
Nas suas descrições de cidades e de templos há muito soterrados, os académicos homens escreveram sobre a sexualidade activa da Deusa como sendo “indecente”, “intoleravelmente agressiva” “embaraçosamente vazia de moral”, enquanto as divindades masculinas que seduziam e violavam ninfas ou mulheres míticas, são descritas como “brincalhonas” ou até admiravelmente “viris”. A evidente natureza sexual da Deusa, justaposta à Sua sagrada divindade confundiu de tal forma um académico que este acabou por decidir-se pelo desconcertante epíteto de Virgem-Rameira. As mulheres que seguiam os antigos hábitos sexuais do culto da Deusa, designadas na sua própria língua como sagradas ou santas mulheres, foram repetidamente classificadas como “prostitutas ritualísticas”. Esta selecção de palavras é reveladora uma vez mais duma ética etnocêntrica provavelmente baseada em atitudes bíblicas. Acrescente-se ainda que usar o termo “prostituta” para designar mulheres cujo título era na verdade qadesh, que significava santa, revela uma enorme falta de compreensão da verdadeira estrutura social e teológica que estes autores estão a tentar descrever.

As descrições da divindade feminina como criadora do universo, inventora, dispensadora de cultura, são feitas habitualmente em uma ou duas linhas se tanto; os académicos rapidamente passam por cima destes aspectos da divindade feminina que segundo eles não merecem sequer discussão.
Apesar do facto de o título da Deusa em muitos documentos históricos do Médio Oriente ser Rainha dos Céus, alguns autores apenas parecem dispostos a conhecê-la como Mãe Terra…


A divindade feminina, venerada como guerreira ou caçadora, lutadora corajosa ou ágil atiradora, foi por vezes descrita como possuindo curiosos “atributos masculinos”, implicando isso que a Sua força e valor a tornavam uma espécie de aberração, ou alguém psicologicamente anormal. O professor de Arqueologia Pré-histórica J. Maringer rejeita a ideia de que os crânios de rena fossem troféus de caça duma tribo paleolítica. A razão? Foram encontrados no túmulo duma mulher. Escreve ele: “Aqui o esqueleto era o de uma mulher, uma circunstância que parece descartar a hipótese dos crânios e hastes de rena serem troféus de caça”. Estarão estes autores a julgar a natureza física intrínseca da mulher pelos modernos ideais de esbelteza e fragilidade?”

Merlin Stone, The Paradise Papers (tradução de Luiza Frazão)  

Imagem do centro: Deusa Tanit

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